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Potência Relativa e Mobilidade

Off topic. Publiquei esta postagem em outro blog dia 5 de novembro de 2013. Como vou excluir o outro blog e não quero perder este trabalho, vou alocar a postagem aqui.

 

Necessidade de locomoção: uma reflexão sobre como lidamos com este problema. O número de mortes no trânsito mostra que o problema é grave. As principais causas são velocidade e álcool. Sobre a velocidade, uma boa medida que pode ser implantada imediatamente nas cidades é a criação de Zonas 30, onde a velocidade máxima permitida é de 30 km/h (saiba mais aqui e no blog Ir e Vir de Bike).

Mas há uma coisa crucial neste assunto que dificilmente alguém fala: nossos veículos são excessivamente potentes (e pesados)! Campanhas educativas e multas não se mostram eficazes para pessoas que possuem o poder de movimentar uma tonelada de ferro em alta velocidade.

Esta postagem destina-se a mostrar que não há necessidade prática de existir veículos com este poder. Desde criança me questionava, se a maior velocidade permitida nas estradas é 110 km/h, por que os veículos são capazes de atingir 150 km/h? 200 km/h? Alguns até 300 km/h?

Qual a potência relativa necessária para o deslocamento urbano?

A velocidade factível e segura para deslocamentos urbanos é com velocidade máxima por volta dos 30 km/h e uma média de 20 km/h, que é mais ou menos o que eu faço de bicicleta. Se alguém acha que isso é muito lento para os carros, sugiro que estude os dados sobre velocidade média em cidades grandes (veja aqui um exemplo), que muitas vezes não chega a 15 km/h. Sei que este assunto não é simples, mas não é agora que quero discuti-lo, vou apenas usar as velocidades 20/30 como referência.

A potência relativa que falo é watts (W) por quilograma (kg), ou seja, quero saber qual é a potência necessária para transportar um quilograma de massa. Assim podemos comparar a potência relativa de veículos bem distintos.

Se eu tivesse um medidor de potência na bicicleta já saberia de antemão qual é a potência necessária, pois sei que a minha potência é suficiente para qualquer deslocamento urbano nas velocidades 20/30 (assim como a maioria das pessoas acostumadas a transportar-se de bicicleta).

Na falta desses dados, vejamos qual é a potência relativa média de um ciclista, digamos, Fabian Cancellara. Segundo este link, em 2007, no prólogo do Tour de France (prova no total de 7,9 km), ele atingiu uma potência média de 543 W.

\[ \frac{potência\ do\ Cancellara}{peso\ do\ Cancellara + bicicleta}=\frac{543}{82+8}=6,03 W/kg. \]

Como ele é um dos melhores ciclistas do mundo na modalidade Contra Relógio Individual, fica claro que a potência relativa de 6 watts para cada quilograma é mais do que suficiente para deslocamentos urbanos. Para se ter uma ideia, ele completou aquela prova com 53,59 km/h de velocidade média, bem acima da velocidade que assumi como adequada para deslocamentos urbanos.

Uma boa crítica agora seria de que estou considerando a potência média ao invés da máxima. De fato, em algumas situações é necessário um pouco mais de potência (numa arrancada ou subida). Apesar de já estar trabalhando com sobra por considerar ciclistas profissionais, vou pegar a referência máxima de potência em bicicleta: Mark Cavendish, um dos melhores velocistas da história do ciclismo de estrada. Segundo este link, a potência máxima que ele já atingiu foi 1580 W. Com esta potência ele consegue passar dos 70 ou até 80 km/h em terreno plano.

$$\frac{potência}{Cavendish + bicicleta}=\frac{1580}{69+8}=20,52 W/kg.$$

Ou seja, 20 watts para cada kg já é muito mais do que o necessário para transporte urbano.

 

Eficiência

É claro que o assunto não se extingue na relação potência/peso, há vários outros fatores que influem no desempenho dos veículos (energia dissipada, aerodinâmica). É aí que entra a questão da eficiência.

Por exemplo, bicicletas super aerodinâmicas não precisam do Cavendish para passar dos 80 km/h. Na Associação Internacional de Veículos a Propulsão Humana há listados vários recordes (em terreno plano), dos quais resumo alguns na tabela abaixo para exemplificar o que é um veículo eficiente (certamente estes recordistas não são tão potentes quanto Cavendish em distâncias curtas, nem tão potentes quanto Cancellara em distâncias mais longas, e certamente a carenagem deixa a bicicleta mais pesada, mesmo assim as velocidades são muito superiores):

 Distância   Velocidade média   Tempo 
200 m 133,78 km/h 5,382 s
1 km 128,4 km/h 28,037 s
90,6 km 90,6 km/h 1 hora
364,57 km 60,76 km/h 6 horas
1041,25 km 43,39 km/h 24 horas

 

Veículos pesados

Como pretendo comparar as potências relativas mostradas acima com as dos carros convencionais, alguém pode ficar incomodado com a diferença do porte dos veículos, pois bicicleta é muito mais leve que carro e fica a impressão que poderia ter uma distorção dos números por fatores não previstos. Para mostrar que a comparação não é injusta, vamos dar uma olhada na ordem da carga pesada (embora o objetivo final seja avaliar o transporte de pessoas em automóveis).

O Mercedes-Benz Actros 2546 LS Multiuso tem potência máxima de 456 cv (ou 335388 W) e a legislação de pesos para esta configuração de veículo prevê carga máxima total de 48500 kg:

$$\frac{335388}{48500}=6,92 W/kg.$$

Além disso, se a mesma conta for feita para a capacidade máxima do caminhão, $$\frac{335388}{60000}=5,59 W/kg,$$ temos uma relação potência/peso menor que a do Cancellara, e ninguém duvida que o caminhão seja capaz de se transportar, não é mesmo?

 

Qual a potência relativa que usamos para nos transportar?

Agora sim, vamos ver qual é a potência relativa dos carros convencionais, que circulam às centenas de milhares por aí. Fiz a conta para vários carros, mas o que deu a menor potência relativa foi o Fiat Siena 1.0, que encontrei nesta postagem: os 10 carros com as piores relações peso/potência do Brasil. Ele tem 990 kg e potência máxima de 61 cavalos (ou 44865,5 W):

$$\frac{44865,5}{990+70}=42,3 W/kg.$$

Veja que a potência relativa de um dos carros “mais fracos” do mercado é mais que o dobro da potência relativa do Cavendish. É um exagero explícito. Mesmo se entupirmos o carro com 5 pessoas de 100 quilos, 50 quilos de gasolina e mais 100 quilos de bagagens, a potência relativa ainda fica acima da potência do Cavendish: $$\frac{44865,5}{990+5 \times 100+50+100}=27,36 W/kg.$$

Outro veículo apontado na internet como tendo uma relação peso/potência ruim é a Kombi Standard 1.4 Flex, com 80 cv (58840 W) e 1260 kg:

$$\frac{58840}{1260+70}=44,2 W/kg.$$

Se a Kombi for carregada com 9 pessoas de 100 kg mais gasolina e bagagem, a potência continua sendo excessiva:

$$\frac{58840}{1260+9\times 100+50+100}=25,5 W/kg.$$

 

O mesmo acontece no caso das motos. Vejamos uma das motos mais básicas do mercado, uma CG 125, que tem 11,6 cv (8531,8 w) e 105 kg:

$$\frac{8531,8}{105+70}=48,75 W/kg.$$

E se for com duas pessoas de 100 kg, $$\frac{8531,8}{105+2\times 100}=27,97 W/kg.$$

Agora, se isso já é um exagero, vamos ver outra postagem: Os 10 carros com a melhor relação peso/potência do Brasil. O carro que tem a maior potência relativa neste texto é o Opala SS, com 171 cv (125770,5) e 1172 kg:

$$\frac{125770,5}{1172+70}=101,26 W/kg.$$

É um absurdo existir monstros como esse rodando por aí.

 

Mas calma, tem coisa pior: Ducati 1199 Panigale. Com 195 cv (143422,5 W) e 164 kg:

$$\frac{143422,5}{164+70}=612,92 W/kg.$$

Esta moto assume proporções totalmente fora do padrão. É surpreendente o fato de uma coisa dessas ser permitida de trafegar nas ruas.

 

Para se ter uma ideia, ela é muito mais potente que um carro de Stock Car, com 480 hp (357936 W) e 1320 kg:

$$\frac{357936}{1320}=271,16 W/kg.$$

 

A Ducati chega a ser comparável a um carro de Fórmula Indy, que é capaz de atingir até 380 km/h, com 650 cv (478075 W) e 694 kg:

$$\frac{478075}{694+70}=625,75 W/kg.$$

 

Considerações finais

Nós não precisamos nem da metade da potência relativa que é usada atualmente nos veículos convencionais, mesmo pegando os mais fracos como referência. Inclusive, para a segurança de todos, não deveria ser permitido trafegar com veículos muito potentes, ou não deveria ser permitido fabricar veículos tão potentes para as ruas.

Claro, a necessidade psicológica de mais potência foi colocada na cabeça das pessoas ao longo de um século de propagandas, e agora é a opinião do povo que sustenta esta necessidade. Quem nunca ouviu alguém falar que carro 1.0 é muito fraco?

Todo aquele que fala “odeio carro 1.0” tem a sua parcela de culpa nos problemas de trânsito (especialmente as inúmeras mortes). Mesmo que a pessoa dirija com cuidado, esta opinião sustenta o fato de outras pessoas (possivelmente não tão cuidadosas) possuírem o poder de movimentar uma tonelada de ferro em alta velocidade.

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