O conceito de educação de Ricardo Semler
Será necessário que alguém de fora do meio educacional idealize um ensino de qualidade?
Não sei, mas sei que nunca vi um sistema de ensino tão revolucionário quanto o que propõe Ricardo Semler, empresário brasileiro, chefe-executivo e sócio majoritário da empresa SEMCO.
Conheça as ideias de Ricardo Semler que norteiaram a criação da Fundação Ralston-Semler, e também da Escola Lumiar.
Esolca Lumiar
“Na escola Lumiar, em São Paulo, os alunos começam a decidir sobre o próprio destino a partir dos 6 anos. Para isso, muitos dos elementos que caracterizam uma escola tradicional foram eliminados. Ali não há grade curricular dividida por disciplinas, divisão por séries ou por professor. Os alunos montam sua grade horária. Para garantir que eles não deixem de aprender o essencial, há um tutor designado para cada aluno.
O modelo é baseado em projetos. A cada bimestre, com a ajuda do tutor e dos pais, os estudantes selecionam os projetos de seu interesse. ‘Oferecemos um cardápio variado, e os alunos constroem seu aprendizado’, afirma o educador Fernando Almeida, da Lumiar.
Apesar da aparente bagunça, a democracia costuma resolver os conflitos. Houve um caso em que os próprios alunos expulsaram um colega da escola por ele ter rasgado o trabalho de outros. Ele só poderia voltar quando pedisse desculpas. Fez isso três dias depois. ‘Nosso currículo prima pela relação dos alunos com a aprendizagem do que é vida. As pessoas não são mais divididas por idade e precisam tomar decisões sobre seu destino’, diz Almeida.
A Lumiar foi fundada pelo empresário Ricardo Semler, hoje guru do mundo dos negócios. Em janeiro, foi premiada pela Microsoft como uma das escolas mais inovadoras do mundo. Com a ajuda da empresa, a Lumiar quer divulgar essa pedagogia nas escolas públicas.”
(Fonte: Revista Época.)
Palestra a Ministros da Educacao no LATWF – Londres
(Trechos do vídeo abaixo.)
“Como as pessoas chegam à empresa, ao mercado, vindas da escola?”
“… as pessoas dizem: ‘Esperem, vocês tem que me dizer… onde vou ficar, o que vou fazer, como minha carreira anda…”
“… e dizemos: ‘Não temos nenhuma orientação a lhe dar… Ache você a solução’.”
“Se não ajeitarmos isto desde os dois anos de idade, eles chegarão ao mercado de trabalho prontas para receber ordens e seguir carreiras.”
“Por que dizemos: ‘Primeiro, para melhorar, temos que entender o que o PISA diz de nós, de quanta matemática temos que aprender e de por que aprender a tabela pediódica e como’?”
“Por que temos férias escolares de três meses?” “Há 150 anos as escolas eram rurais e as crianças tinham que ajudar na colheita”.
“O que tornou este setor (escolar) um dos mais arcaicos da sociedade?”
“Pôr computadores nas escolas como fazem hoje é como pegar uma avenida congestionada e dizer: ‘Precisamos de motores três vezes mais potentes’.”
“Nós as (as crianças) ensinamos a andar? (só dizemos:) ‘Venha’. Não vamos ao lado delas e mostramos (como andar).”
“… o papel do professor é obsoleto.”
“… quando as crianças deixam a escola, absorveram 6,3% do que foi ensinado… vocês estão num negócio com índice de fracasso de 93,7%.”
Para saber mais sobre os projetos educacionais de Ricardo Semler, visite este link.
Uma pergunta que eu deixo:
Como funciona(ria) o ensino-aprendizado de matemática nesse sistema a partir da quinta série (sexto ano) até o final do ensino médio? Qual a eficácia?
(Pergunto porque quero saber mesmo, não por duvidar.)
Continuação:
Claro que não é isso que o Semler propõe, mas eu vou chegar lá. Meu ponto até agora é que não aprendemos as coisas em uma ordem, e que precisamos aprender coisas mais avançadas para aprender e até ter motivação para aprender as coisas mais básicas. Agora, pegue uma criança, um aluno que ainda não tem conteúdo NENHUM. Por onde espera-se que ela comece sua busca pelo conhecimento? Como não há professor, e nada nunca foi-lhe imposto, corre o risco de faltar-lhe motivação para estudar o que quer que seja. Mais um exemplo: eu jamais teria estudado matrizes e determinantes na escola se não me fosse imposto. Eu só descobri a finalidade deles quando estudei Álgebra Linear, e só descobrir a finalidade de Álgebra Linear em cursos muito mais avançados! Agora alguém poderia rebater e dizer que eu só estudasse matrizes quando fosse necessário, no curso de Álgebra Linear digamos. Bom, mas aí eu ia acabar postergando o estudo da Álgebra Linear em si e ia acabar estudando matrizes e determinantes… Tampouco podemos esperar de um professor do ensino médio falando de Álgebra Linear na classe para motivar o estudo de matrizes (no mínimo 90% da turma pularia pela janela).
Há ainda um aspecto que considero pior: a possibilidade de alunos com essa ou aquela habilidade natural optarem muito cedo por se especializarem em um único assunto. Se eu tivesse escolhido não estudar Inglês na escolinha isso teria prejudicado imensamente meus estudos em Matemática, já que a maioria dos livros de Matemática são em Inglês. Também há inúmeras aplicações da Matemática em Física, as quais motivam seu desenvolvimento, e se eu nunca tivesse estudado Física jamais poderia compreendê-los. Bom, nem preciso falar das aulas de Português e Redação, sem as quais eu não poderia estar comentando aqui… E eu jamais teria suposto que eu ia precisar destas coisas em Matemática, simplesmente porque eu não conhecia!
Resumindo, acho que para se enteder plenamente a necessidade de se estudar um assunto é preciso estudá-lo primeiro. É para isto que estão aí os professores, para nos indicar o que é importante em nossos primeiros passos, já que nesse ponto não temos nem maturidade e nem conhecimento para saber.
Gabriel, do IME
Oi Renato,
Meu comentário tem duas partes, pois ficou muito longo.
Um pouco de informação demais — os tempos dos vídeos somados totalizam quase 30 minutos, sem contar aquela contida no link que você postou para o site do projeto — de modo que, digamos, fiquei com preguiça de ler e assistir tudo até o fim. No entanto, darei-me a liberdade de opinar mesmo assim 😉
No quesito inovação, as idéias do Semler que pude captar — reorganização da disciplina, reescalonamento da hierarquia em sala de aula e uma quase total abolição das ementas dos cursos –, estas se assemelham muito às de uma escola em Lisboa, bastante conhecida e que tem tido muito sucesso já há alguns anos, cujo nome eu infelizmente não me recordo e vou ficar te devendo (eu sei quem tem essa informação e assim que eu a obtiver eu a posto aqui nestes comentários).
No entanto, confesso-me um tanto cético quanto a essas inovações, particularmente no que diz respeito a deixar, já tão cedo, a incumbência às próprias crianças de decidir o rumo de sua própria educação. Concordo que cada um é responsável pela sua própria educação, e mesmo já defendi esse ponto em comentários anteriores neste mesmo blog. No entanto, esse ponto merece um desenvolvimento mais profundo, pois as coisas não são tão simples do meu ponto de vista.
Na minha opinião, o grande problema aqui — e diria até, embora eu não seja entendido no assunto, que esse é o grande paradoxo do ensino com o qual os educadores têm de lidar — é a não linearidade do aprendizado. Quero dizer com isso que não aprendemos as coisas de forma ordenada, e a fim de ilustrar meu ponto darei alguns exemplos pessoais.
Acredito que é razoável supor que, digamos, para entender Análise Funcional deveríamos primeiro entender Análise na Reta, já que a segunda é uma generalização da primeira. Além disso, Análise Funcional usa as ferramentas de Análise na Reta em seu desenvolvimento. No entanto, antes de estudar Análise Funcional eu próprio não dominava magnificamente Análise na Reta, e estudar a primeira me fez entender melhor a segunda, apesar de estarem em ordem inversa na hierarquia dos pré-requisitos! Mais que isso, eu acredito que por mais que eu tentasse compreender Análise na Reta ESTUDANDO Análise na Reta, isso jamais seria tão eficaz para o meu entendimento a respeito desse assunto do que dar um "passo maior que a perna" i.e. estudar Análise Funcional. Ou seja, eu não aprendi Análise seguindo sequer a hierarquia local da Análise. O problema fica ainda mais patente quando pensamos na hierarquia GLOBAL: imagine a motivação que as criancinhas teriam se começassemos o primário com Teoria dos Conjuntos ZFC (ou, pior, Teoria de Modelos)!
É verdade que o ensino hoje está um pouco saturado, no sentido da carga ser muito grande, mas acho que esse panorama está mudando – os estudantes estão percebendo pouco a pouco o que faz diferença de fato. Se o cara quer seguir o mercado de trabalho, pouco importa memorizar o teorema fundamental do cálculo, mas sim saber bem se relacionar, dominar outras línguas, partícipar de empresas júnior, etc… Pois no fim sabemos que é isso que vai determinar seu êxito no futuro. Agora alguém que vai seguir a carreira em exatas, ser um engenheiro de cálculo, um matemático aplicado, um estatístico, ai sim é preciso lembrar dessas tecnicidades – talvez nem usem – mas são interessantes para conhecimento geral nesse ramo. Ora, as aplicações são e foram construídas com base nessas teorias.
Mudando de assunto, acho que antes de mais nada, a escola é o primeiro ambiente além de nossa casa em que temos que aprender a lidar com regras, conviver com pessoas diferentes, respeitar a hierarquia, enfim, é um teste que nos gera muito aprendizado. Quando se fala em abolir as disciplinas, dar liberdade para o aluno, excluir o professor, a balança fica desigual, pois, se por um lado é dito que o rendimento do aluno aumenta, etc, por outro, ele vai perder justamente oportunidade de desenvolver as capacidades que hoje são necessárias para enfrentar o mercado de trabalho – respeitar horários, hierarquias, engolir muitos sapos, trabalhar com indivíduos os mais complicados possíveis, e por ai vai. Ou seja, o argumento pode ser revolucionário, legal, mas não é a solução – e os buracos que ficam no aprendizado?
Além disso, o discurso do Semler é bem feito, mas falacioso. Ele fala de retenção de conteúdo, joga vários números, porém isso não representa absolutamente nada.
Dizer que os professores são obsoletos é uma grande bobeira – eu dúvido que eles não tenham passado na vida desse cara. Além do mais, até mesmo os grandes autodidatas possuíram professores tão bons quanto seus pupílos. Eu compartilho da opinião do prof. Newton (vi no video postado há pouco tempo no seu blog), que diz que o sujeito que acha que professor tem que ensinar tudo é ignorante – por ter experiência, o professor é um guia. Cabe ao aluno determinar o valor que esse guia vai ter em sua vida, e saber aproveitar tudo o que ele tem para mostrar. E como as crianças não têm discernimento para escolher para sí o que é bom e o que é ruim, continuo a acreditar que os professores são peças chave no aprendizado das crianças.
Gabriel, Alan e demais leitores,
A pergunta que deixei no final já indica, mas quero deixar claro que não sou adepto das ideias de Semler, a postagem foi mais no sentido de divulgar mesmo, por isso não argumentei nem a favor nem contra qualquer coisa. Ok.
Não acho que o que eles fazem na escola Lumiar seja tão radical quanto pareceu nos comentários acima (sobre deixar as coisas a cargo dos alunos ou sobre abolir as disciplinas ou sobre "não ter professor"). Como está escrito ali, "para garantir que eles não deixem de aprender o essencial, há um tutor designado para cada aluno".
Talvez o papel do professor seja mais para um orientador ou tutor, um guia para o aluno e não uma pessoa que "ensina". Nesse sentido não deveria existir professor, seria outra coisa… Acho que é isso que Semler quis dizer com "o papel do professor é obsoleto". Apesar das diferenças no uso da linguagem, não me parece ser algo muito distante do que o prof. Newton falou naquele vídeo (veja: http://experienciasnamatematica.blogspot.com/2011/01/finalidade-do-ensino-ou-pra-que.html).
Acho que o diferencial na proposta de Semler, o que torna 'revolucionário', não é o que ele disse na palestra – provavelmente muitos educadores já tenham pensado em tudo aquilo e talvez muito mais – mas sim o fato dele ter fundado uma escola que funcione de acordo com suas ideias, isso que é o difícil de fazer! Sem falar em questões financeiras e políticas, que são obstáculos para tal, ainda assim é muito difícil. Como colocar em prática uma coisa tão diferente? Não existe precedente, nada disso foi testado antes (a não ser por eles mesmos)!
[Decidi colocar mais um vídeo na postagem, uma reportagem sobre a escola – o primeiro vídeo – que estava no último link que coloquei. Desculpem pela mudança.]
O que seria interessante acontecer é um pesquisador da educação estudar esta escola, observar como funciona e os resultados a longo prazo (por exemplo: quais os resultados depois de sair da escola, isso com vários alunos que tenham estudado a vida inteira lá). Só assim saberíamos se esse modelo educacional é eficaz ou se é uma grande tolice.
Obrigado pelos comentários (e pelo esforço em escrevê-los, hehe), Gabriel e Alan!
Oi Renato,
Devo ter sido agressivo no que escrevi hehehe, ja era madrugada e não estava com muito saco para revisar o que tinha escrito.
Agora assisti com mais calma os vídeos e estou pensando um pouco mais no assunto.
De fato, algumas coisas precisam ser mudadas, mas isso que é o difícil de determinar. As faculdades hoje, e a minha é um exemplo, estão introduzindo humanidades em cursos de exatas, por exemplo.
Mas um problema que me vem a cabeça agora é a quantidade de carga horária de aulas que temos desde a o ensino básico. O que você acha?
Em relação ao ensino da matemática, penso que hoje já não é possível falar de matemática sem auxílio de computador, assim como antigamente não se fazia matemática sem tábua de logarítmos e réguas de cálculo. As ferramentas que temos hoje fazem com que o ensino fique mais ativo, e não passivo como antes.
Seria bom investigar uma coisa: O fato da medicina ter avançado no início do século XX – diminuindo a taxa de mortalidade de recém-nascidos, etc – fez com que rapidamente as escolas ficassem cheias e exigissem normas regulamentadoras e planos de ensino, como o feito pela Universidade de Chicago como o empresário comentou. Antes disso, o ensino era tutorial, no sentido de que o aluno frequentava uma escola básica e depois, ou por vontade familiar ou pela vocação numa área, o aluno seguia na universidade com o acompanhamento de um superior – isso era possível, pois o ensino universitário era para poucos.
Então devido a quantidade crescente de alunos a demanda por um sistema que os acomodasse foi determinante para a criação do modelo que persiste até hoje. Talvez naquela época tenha funcionado, mas, se minha suposição for certa, há uma clara diferença entre o número de crianças na escola hoje e no início do século, de modo que é preciso atualizar de fato a coisa para o século XXI. Resta saber se esse é o caminho certo.
Como visito com certa frequência seu blog, vou adicioná-lo no meu, http://www.canalmonitoria.blogspot.com. Abraços e parabéns pelo blog.
Oi Renato,
Tenho que concordar com a sua réplica. Acredito que educação e ensino são matérias essencialmente experimentais, e que muito melhor do que ficar conjecturando a respeito desse ou daquele método é por a mão na massa, implementar uma idéia e observar os resultados de longo prazo, o que funciona e o que não.
De fato, muito bem observado!
Gabriel, do IME
brozinski, existe alguma estatistica sobre os alunos desse sistema e o ingresso em universidades? gostaria de saber se eles nao sao prejudicados na selecao do vestibular.
abraços,
Rafael Jeronimo
Alan,
Não entendi, o que você quer dizer sobre a carga horária?
"… penso que hoje já não é possível falar de matemática sem auxílio de computador… As ferramentas que temos hoje fazem com que o ensino fique mais ativo…"
Acho que não são as ferramentas que tornam o ensino mais ativo. Se o professor adotar aquela metodologia de mostrar como faz e os alunos imitam, a coisa sempre será passiva, mesmo que tenha uma super tecnologia. Acho também que eu consigo falar de matemática sem computador, apesar dele ajudar bastante (bem, estou usando o computador agora para falar de matemática, hehe).
Obrigado por recomendar o meu blog 😉
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Jerônimo,
Eu não sei se existe alguma estatística disso, você quer que eu mande e-mail pro pessoal da escola perguntando?
O que sei é só o que tem nas referências que coloquei na postagem… Por exemplo, no último vídeo ali, o Semler falou o seguinte:
"… os meninos que saem de lá vão para o Bandeirante, Santa Cruz, …, não repetem de ano, sem jamais ter feito lição de casa na vida, sem jamais ter sido forçados…, sem jamais ter feito uma .. de matemática."
Mas claro que continua sendo pouca informação…