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Livro: Maravilhas da Matemática

O objetivo deste post é fazer propaganda do excelente livro “Maravilhas da Matemática: Influência e Função da Matemática nos Conhecimentos Humanos”, de Lancelot Hogben. Eu tenho a quarta edição, que é de 1956, se não me engano a primeira edição é de 1946.

Escrevi esse texto para a disiplina “Fundamentos da matemática elementar”, do quarto ano da graduação, em 2008. Era pra fazer algo parecido com uma resenha, mas o livro tem mais de 700 páginas, então acabei escrevendo só sobre os três primeiros capítulos. Mas acho que dá pra ter uma ideia do estilo do autor e ficar com vontade de ler o livro inteiro!

 

O AUTOR JUSTIFICA-SE

“Escrevi este livro no hospital, durante longa enfermidade, no intuito de me distrair. Alguns amigos, de entre os muitos milhões de pessoas mais ou menos inteligentes amedrontadas pela matemática nos bancos escolares, me persuadiram a publicá-lo. Concordei em fazê-lo, com a condição que, comprometendo-se a corrigir as provas, me eximissem de uma tarefa que por certo interferia nos meus deveres profissionais.

Pois que não tenho pretensões a especialista, duas coisas desejo esclarecer. A primeira é que escrevi esta obra na qualidade de cidadão particular interessado no problema educacional. A segunda é que, sejam quais forem as objeções levantadas contra o método adotado e as opiniões expressas, o livro terá atingido o objetivo se estimular o interesse e remover o complexo de inferioridade de alguns dos milhões que já desistiram de aprender matemática pelos trâmites costumeiros…”

ÍNDICE

Capítulo I – Matemática, Espelho da Civilização;
Capítulo II – Primeiros passos na arte de medir ou A matemática na pré-história;
Capítulo III – A gramática da grandeza, da ordem e do número ou Como se traduz a linguagem dos números;
Capítulo VI – Euclides sem lágrimas ou O que se pode fazer com a geometria;
Capítulo V – Da crise, às palavras cruzadas ou Os princípios da aritmética;
Capítulo VI – As dimensões do mundo ou O que se pode fazer com trigonometria;
Capítulo VII – A aurora do nada ou As origens da álgebra;
Capítulo VIII – O mundo em mapa ou Triângulos esféricos;
Capítulo IX – A geometria da reforma ou O que são os gráficos;
Capítulo X – A coletivização da aritmética ou Como se descobriram os logaritmos;
Capítulo XI – A aritmética da forma e do crescimento ou De que cogita o cálculo;
Capítulo XII – A álgebra do tabuleiro e do baralho;
Capítulo XIII – Estatística ou Aritmética do bem-estar humano;
Epílogo na ciência ou A matemática e o mundo real;
Apêndices
  1. A fórmula dos senos para a resolução de triângulos esféricos;
  2. Equação da elipse;
  3. Demonstração binômia da propriedade exponencial;
  4. Como se demonstra que se n for muito grande, …(desculpe, não consigo escrever as fórmulas);
  5. Determinação da posição por meio de pontos subcelestes.

 

CAPÍTULO I

Matemática, Espelho da Civilização

Este capítulo serve como introdução ou um brevíssimo resumo das realizações históricas, culturais e sociais da humanidade a serem trabalhadas ao longo do livro. Destaco apenas uma passagem que reflete a idéia do primeiro capítulo:

“Nossos olhos e nossos ouvidos são capazes de perceber espécies distintas a grande distância, mas para poder medir à distância o homem teve de construir para si novos órgãos sensoriais, tais como o astrolábio, o telescópio e o microfone. Teve de idealizar balanças capazes de acusar diferenças de peso a que nossas mãos são insensíveis. E, a cada novo progresso na evolução dos instrumentos de medição, o homem teve de apurar os instrumentos da linguagem das grandezas. À medida que a capacidade de invenção humana passava, da contagem de rebanhos e estações, à construção de templos e à orientação de navios em mares, sem carta, da pilhagem e do curso marítimo a máquinas movidas pela força da matéria morta, novas linguagens de grandezas foram fazendo o seu aparecimento. Civilizações erguem-se e perecem. A cada novo passo, uma cultura mais primitiva e menos rebuscada irrompe através das barreiras dos hábitos mentais e contribui para a gramática da medição com novas regras, embora traga, dentro de si mesma, limitações ao seu desenvolvimento e a inevitabilidade da evolução final. A história da matemática é realmente o espelho da civilização” (HOGBEN, p. 37 e 38).

 

CAPÍTULO II

Primeiros Passos na Arte de Medir
ou
A Matemática na Pré-história

Segundo o autor, este estudo verifica a existência de documentos que confirmam a opinião dos que afirmam que a matemática progride sempre que os matemáticos têm o que fazer e estagna toda vez que se transforma em passatempo de uma classe isolada do viver cotidiano da humanidade.  Na época em que o homem começou a escrever livros de matemática, a humanidade já descobrira várias maneiras de responder a certos gêneros de perguntas que têm por resposta o número. Examinemos algumas delas, para termos uma idéia de como se fez sentir a necessidade da matemática:

– QUANTOS INDIVÍDUOS CONSTITUEM UM GRUPO:
Os aborígenes tasmanianos, espécie extinta que mal atingiu o nível paleolítico de evolução cultural, só sabiam contar até quatro. O autor presume que a necessidade de contar grandes números só foi sentida quando os homens começaram a colocar boiadas e rebanhos para pastar. Muito antes do homem passar a residir em cidades, precisava saber contar o número de seus animais para se certificar de que nenhum se extraviou do grupo. Os números utilizados para esse fim servem para indicar a posição ocupada por um dado acontecimento dentro de uma sequência, ou seja, quando afirmamos que um rebanho tem cem ovelhas, afirmamos que a última ovelha será a centésima se as arrumarmos em fila.

Em nosso sistema numeral, agrupamos os objetos, para fins de numeração, em dezenas, dezenas de dezenas, e assim por diante, é isso que significa base dez. O homem primitivo valia-se, como as crianças de hoje, de seus dedos para conferir os objetos que conta. Por isso que quase sempre, nos sistemas de numeração, aparece como base um múltiplo de cinco (seja cinco, dez ou vinte), ou como meio fundamental de se agruparem números.

– HÁ QUANTO TEMPO “TAL COISA” SE DEU:
A necessidade desta questão emergiu do primitivo estado em que o homem se limitava a caçar e a procurar alimento. Foi ao aprendermos a semear vegetais e a criar animais, que só se reproduzem em determinadas épocas do ano, que sentimos a necessidade de fazer um registro das estações. Só então o homem observou que a lua nasce e se põe um pouco mais tarde a cada noite, entre duas luas cheias, e começou a agrupar os dias em luas, ou meses de trinta dias. Quase todos os povos sabiam reconhecer as estações, observando quais as primeiras constelações que se viam nascer logo após o pôr do sol, e também contar o número de luas transcorridas entre as estações secas e chuvosas. Os egípcios já haviam fixado a duração do ano em 365 dias antes de 4000 a. C.

A sombra solar, quando mais curta, isto é, ao meio-dia, sempre aponta na mesma direção, a norte-sul. Nas estações do ano, o sol nasce e se põe mais próximo do norte ou do sul do horizonte, quando a sombra do meio-dia é mais curta ou mais longa, respectivamente. Os homens reconheceram o ano como o número de dias transcorridos do dia em que a sombra do meio-dia é a mais curta até a próxima vez em que isto ocorre. Observando a sombra solar em cada estação, o homem neolítico aprendeu a determinar a hora das refeições e de trabalho. E aqui vê-se mais um aspecto matemático, além dos números, influindo na sociedade e sua cultura: a geometria.

O homem primitivo via a morte e o nascer, o sono e o despertar, os ritmos básicos da fertilidade e da decadência refletirem-se no firmamento mutável. O surgir de novas constelações ou o aumento e a diminuição da sombra solar, anunciavam o tempo de sementeira, da secagem do milho. As fases recorrentes da lua coincidiam com o ritmo menstrual da mulher. O pôr do sol e a alvorada eram os sinais do sono e da tensão física do despertar. Hoje começamos a compreender de que maneira estes ciclos de acontecimentos naturais agem como estímulos para certas mudanças rítmicas de nosso organismo. Por exemplo, sabemos que a luz ativa a glândula pituitária que controla o ciclo reprodutivo.

Uma consequência importante disso tudo foi a invenção da escrita numeral. Quando se utilizavam os números para contar animais, não havia necessidade de registrá-los permanentemente. Só se sentiu essa necessidade quando começaram a fazer observações mais cuidadosas sobre as estações do ano. A escrita como meio de transmissão de mensagens só apareceu muito mais tarde e as primeiras inscrições desta espécie foram as marcas que os homens fizeram em pedras e madeiras para memorar os acontecimentos sociais celebrados com festas e oferendas.

Se o homem tivesse tantas pernas quantas a centopéia, ou como o caranguejo de água doce, a evolução da linguagem numérica teria seguido um curso bem diverso. Provavelmente o mesmo sucederia se o homem não fosse um animal vivíparo. Em documentos escritos cerca de 1100 a. C. encontramos os números divididos nas séries dos pares e ímpares. Os pares são, pois, fêmeas, e os ímpares são machos. O consórcio perfeito de ambos é a série numeral completa. Durante várias gerações a humanidade se viu atrapalhada por não poder representar medições que fazia por intermédio desses números sexualmente completos destinados a designar a grandeza de grupos de coisas eminentemente distintas. Eles não podiam conceber a existência de muitos números que conhecemos hoje, todos tinham de ser meninos ou meninas.

Esta associação de número e sexo não deve causar espanto, a escrita numeral é produto derivado de um calendário organizado fruto da preocupação do homem com sua fecundidade e a de seus rebanhos. Nos velhos sistemas de numeração frequentemente vislumbramos indícios de retrocesso à antiga obsessão da fecundidade. Exemplo disso é a proeminência outorgada ao número 3, que provavelmente provém da constituição do órgão reprodutor masculino, basta analisar o sistema de numeração romano. A inversão do quatro, nove, etc. no sistema de numeração romano foi uma adoção profundamente nefasta, pois impediu que os romanos inventassem as regras do cálculo. Segundo o autor, é bem possível que esta inversão não prejudicasse os romanos, se a espécie humana se reproduzisse por fertilização exterior, como os sapos. Certamente eu gostaria de saber quais motivos levaram o autor a fazer esta última afirmação, seria uma grande relação entre a natureza humana e o conhecimento matemático.

Deste ponto de vista a matemática perde aquela característica de “exatidão”, precisão ou imutabilidade. O que acontece é que quando é fixado um sistema em matemática, as propriedades abordadas são de alguma maneira necessárias. Mas como tratamos essas questões ou qual sistema adotaremos para lidar com elas são escolhas tão arbitrárias quanto qualquer outro conhecimento humano, provém de necessidades sociais e dependem do desenvolvimento intelectual da humanidade. À medida que a humanidade civilizada via-se forçada a lidar com números cada vez maiores, confiava cada vez mais e mais num pequeno aparelho mecânico, que acabou por circunscrever todas as perspectivas matemáticas. A elasticidade de seus processos mentais era frequentemente paralisada pela rigidez de seu equipamento material.

“Para nós, algarismos são símbolos com que se podem efetuar adições, mas este conceito era absolutamente estranho, mesmo aos mais hábeis matemáticos da velha Grécia. As primeiras inscrições numerais não eram mais que rótulos com que se registravam os resultados das operações feitas com o ábaco, ao invés de com um lápis ou com uma caneta” (HOGBEN, p. 52).

Os novos vocabulários numerais permitiram executar no papel as operações efetuadas materialmente e de maneira semelhante, materiais estes relegados definitivamente aos jardins de infância.

Acredito que o conhecimento do desenvolvimento da matemática na antiguidade pode ajudar na educação primária, pela semelhança entre os homens primitivos e as crianças. Por essa semelhança quero dizer o estado de alguém que não conhece o trabalho de quem veio antes, ou seja, só sabe ou conhece basicamente o que seus sentidos lhe oferecem, conquanto o início do aprendizado matemático assemelha-se ao do homem primitivo, que deve ocorrer da maneira mais natural possível: a partir de suas necessidades e do que pode ser observado à sua volta (é claro que as necessidades na educação seria apresentada por intermédio de alguém, não pelos mesmos motivos que a história conta). Se forem apresentados o vocabulário numeral e os métodos de calcular antes que se faça sentir de alguma maneira mais natural, assim como ocorreu historicamente, o que são e por que são feitas as operações matemáticas, não há por que pensar que a criança entenda o que está fazendo, normalmente de maneira mecânica.

“Os idealistas fazem nossos problemas desnecessariamente abstrusos, ocultando as dificuldades que defrontavam os matemáticos da antiguidade… Concedemos-lhe a honra de supô-los misteriosamente profundos, quando eram inutilmente complicados” (HOGBEN, p. 52).

Nesta passagem eu diria que os idealistas são os professores de matemática.

– EM QUE DIREÇÃO FICA TAL COISA:
Resolvi não me aprofundar muito nesta questão, mas a idéia central é a afirmação do autor de que é quase certo que o homem aprendeu a medir ângulos muito antes de se dar incômodo de medir comprimentos, necessidades que surgiram naturalmente da prática de registrar o tempo, pré-requisito essencial da vida metropolitana. Exemplo de evidência disso são as pirâmides egípcias. Duas passagens e completo esta questão:

“A face sul da Grande Pirâmide, construída cerca de 2800 anos antes de Cristo, era disposta de modo que os raios de Sírius em sua passagem pelo meridiano, fossem perpendiculares a ela. Um canal de ventilação da câmara real era traçado com tal precisão, que a luz da estrela Sírius, na passagem pelo meridiano, o atravessava e ia banhar o rosto do cadáver do Faraó. Tanto a entrada principal como uma segunda abertura paralela davam admissão à luz da estrela Polar, isto é, da  do Dragão, no instante de sua passagem pelo meridiano. A precisão espantosa desses prodígios de construção eram fruto de séculos e séculos de observações anotadas e os próprios métodos modernos, de se fixar a direção de um objeto, conservam vestígios da realidade física que originou a medição dos ângulos” (HOGBEN, p. 57 e 58).

“O primitivo ano babilônico tinha trezentos e sessenta dias… Não resta dúvida de que, dessas trezentas e sessenta divisões naturais do passeio do sol pelo arco descrito em sua trajetória circular, completa, se originou o grau” (HOGBEN, p. 59).

– ATÉ ONDE ISTO SE ESTENDE:
Por muitos milênios o homem contentou-se com usar grosseiras unidades anatômicas de comprimento para a maior parte das finalidades práticas. Os povos semitas usavam o cúbito, distância que ia da ponta do dedo médio ao cotovelo, do mesmo modo que os lavradores ainda usam as pernas para medir os campos, em metros. Para os fins ordinários, contentavam-se com uma unidade de comprimento variável de indivíduo para indivíduo. A construção de templos exigiu uma precisão muito maior, e foi buscá-la na arte de se medir a sombra solar. Calculavam-se as alturas pelo comprimento da sombra e pelo ângulo formado pelo sol com o horizonte; mas calcular as alturas por este processo depende do conhecimento de algumas verdades muito simples sobre a relação existente entre os lados dos triângulos.

Os babilônios sabiam como traçar o ângulo de sessenta graus inscrevendo um polígono de seis lados e ângulos iguais num círculo qualquer. Todo o mundo antigo conhecia o método simples do “triângulo 3, 4, 5” para traçar ângulos de noventa graus, o que demonstra o conhecimento do teorema de Pitágoras, ou melhor, dessa regra geral que associa as medidas dos lados de triângulos.

– QUANTO ESPAÇO ENCERRA UMA FIGURA:
A exploração dos agricultores pela casta dirigente que ordenava a construção de todos aqueles templos e túmulos colossais, culminou com um sistema de taxação de toda a terra do Egito. A agronomia egípcia acrescentou, à medição do ângulo, a das superfícies.

Perguntar quanto espaço plano circunscreve uma muralha, equivale a perguntar quantos ladrilhos quadrados, de um tamanho padrão, seriam necessários para calçar este espaço (não entrarei em detalhes quanto à causa da escolha do quadrado como unidade de área). As medições que fazemos para saber quantos tijolos serão necessários para calçar um pavimento, construir a base de uma parede e preencher um determinado espaço relacionar-se-ão entre si.

– QUANTO ESPAÇO SÓLIDO ENCERRA UMA SALA:
Nos tempos em que o comércio não era mais que uma permutação direta de produtos, o trigo, o vinho e o azeite eram vendidos em vasilhas. Os costumes sociais impunham formas e dimensões mais ou menos constantes ao vasilhame usado para este fim, daí a necessidade da noção de volume e sua medição.

– QUANTO DE MATÉRIA CONTÉM ESTE OBJETO:
O que foi dito acerca da medida da direção aplica-se à do comprimento, da área, do volume e do peso. A função dos números no cômputo do peso é indicar quantos pesos-padrões são capazes de equilibrar um determinado objeto, quando colocados nos dois pratos de uma balança. Isto não é a mesma coisa que contar animais ou os dias do ano. Muitas vezes dois objetos se equilibram numa balança mas não em uma outra mais sensível.

“Encontraremos maior facilidade em contornar algumas das dificuldades que se nos depararão se compreendermos, de início, que a primeira utilização dos números foi para denotar a ordem exata que um objeto ou acontecimento ocupava dentro de uma série, e que a necessidade de descobrir regras que regulassem a utilização dos números só se fez sentir quando o homem começou a aplicá-los a medições que nunca poderão ser precisas.”

 

CAPÍTULO III

A Gramática da Grandeza, da Ordem e do Número
ou
Como se traduz a Linguagem dos Números

No capítulo anterior vimos como foram os primeiros passos da humanidade na ação de medir as coisas, e as primeiras idéias e utilizações dos números. As novas idéias exigem uma nova representação e talvez novas linguagens. Para entendermos as “conversas” matemáticas é fundamental termos clareza da linguagem utilizada, por isso faremos essa discussão sobre a Gramática da Grandeza.

“Muito contribui, para a compreensão da matemática, o reconhecimento da afinidade profunda existente entre as línguas em que designamos as várias espécies de coisas deste mundo, e as em que designamos as suas várias grandezas” (HOGBEN, p. 76).

Podemos fazer uma analogia entre a evolução da linguagem natural com a da linguagem matemática. Referente à linguagem natural, o homem primitivo começou representando as palavras por símbolos rudimentares para registrar informações que se faziam úteis para o futuro. Esses símbolos tinham um caráter pictórico, que com o tempo começou a se tornar irreconhecível, o que deu início à nova forma de escrita: registro dos sons das palavras. No caso da matemática, podemos pensar que o início das representações eram geométricas. Quando os registros por figuras da conduta dos números se complicou, os homens começaram a usar letras e a compilar dicionários. Por exemplo, procurar o seno de um número numa tábua pode ser comparado com procurar a tradução de uma palavra francesa num dicionário francês-português. É claro que isso não explica o que significa o seno do número de interesse, da mesma maneira que o dicionário francês-português não traz o significado das palavras a serem traduzidas, nós já devemos saber os significados nos dois casos.

O autor faz diversas analogias de “seres” da Gramática natural com os “seres” da Gramática da Matemática, e dá vários exemplos mostrando como trabalha-se com esses seres matemáticos. Não vou me ater a esses exemplos, quero dar mais atenção às idéias que normalmente não vemos no curso de matemática e que eu nunca havia pensado sobre.

SUBSTANTIVOS:
Inicia afirmando que os substantivos da gramática matemática são os números, e afirma que da mesma maneira que podemos distinguir várias espécies de substantivos (substantivos próprios, comuns, abstratos, coletivos) podemos distinguir várias classes de números (naturais, inteiros, racionais e reais) – o autor afirmou que os números complexos não são números, e até agora não entendi por quê, mas não quero fugir do assunto.

Muitos séculos levou a raça humana para aprender a distinguir as diversas utilizações que ela dava ao número. Já exemplificamos isso nos primeiros passos na arte de medir: quando contamos rebanhos temos um número exato ou próprio, e quando medimos uma distância no mundo físico temos um número aproximado ou estimado. Fazendo um parêntesis a esse respeito, eu não poderia deixar de citar esse trecho:

“Dizer que a astronomia e a física são ciências exatas, só pode ser um mal-entendido, popular, talvez porque auxilia os filósofos idealistas a abstraírem da existência da ciência biológica, que cogita das imperfeições dos seus cérebros” (HOGBEN, p. 78).

Comentários a parte, pode-se dizer que são ciências naturais.

O importante é ter claro que ao medir um lado de uma sala, por exemplo, com precisão de milímetro, o número que encontramos é um dos componentes de uma classe muito grande de números próximos (se encontrei 4,… metros, a classe a que me refiro é a dos números que podem ser escritos na forma 4,444… e segue de qualquer jeito), assim como o substantivo comum “homens” representa um grande número de animais parecidos.

Esse é um bom momento para chamar a atenção para a utilidade que normalmente não nos damos conta da notação decimal. No exemplo acima, sabemos quais são os números candidatos à medida procurada. Podemos também criar, mentalmente, uma seqüência de números racionais convergindo para um irracional. A fração decimal permite-nos exprimir exatamente o quanto sabemos e o quanto ignoramos numa aproximação. Não obstante, está em uso há menos de dois séculos.

Voltemos à questão do substantivo. As gramáticas estabelecem uma distinção entre substantivos abstratos (exemplo: justiça) e substantivos coletivos (exemplo: povo). A vantagem do emprego de tais substantivos é a economia de tempo e de espaço. Por exemplo, ao invés de dizer “vermelho, azul, verde, etc”, podemos dizer simplesmente “cor”. O mesmo se dá na linguagem das grandezas: por exemplo, para calcular a área de uma superfície retangular, basta fazer a x b, onde a e b são as medidas dos lados; neste caso, a e b fazem papel de substantivos abstratos ou coletivos, pois podem significar qualquer medida positiva. Este emprego dos substantivos ajuda na descoberta de regras do cálculo. O método da indução matemática nos dá muitos exemplos disso.

Só mais uma observação nesta seção: eu não diria que os substantivos da matemática são só os números, mas sim todos os “objetos” com que trabalhamos nas várias teorias, por exemplo, ponto reta e plano na geometria elementar ou uma certa classe de equivalência em teoria dos conjuntos, enfim, pois trabalhamos com esses objetos de modo muito parecido com os números.

VERBOS:
Acabamos de ver os substantivos matemáticos. Agora, observamos que as frases matemáticas são as equações. Tendo os substantivos, o que falta para completar as frases são os verbos. Por exemplo, na equação a x b = S (para a área de um retângulo), já vimos que a, b e S são substantivos.

Vemos que os verbos são o x e o =. A análise dessa frase apresentada pelo autor é a seguinte:

Expressão Verbal
(Álgebra Retórica)
Equação Matemática
(Algebra Simbólica)
O comprimento
a
deve ser multiplicado pela
x
largura
b
para se obter
=
a área
S

O autor dá uma interpretação geométrica para o verbo x e a situa na história da humanidade, porém não pretendo falar sobre isso. Muitas vezes uma palavra é usada ora como verbo ora como substantivo, como em “Jorge volta para casa” e “Esperar-te-ei na volta da estrada”, respectivamente. Isso também ocorre em matemática: quando escrevemos 10², o 10 é um substantivo e o 2 é um verbo, mas quando escrevemos 2^10, o 2 é um substantivo e o 10 é um verbo. Vale também observar que no segundo caso, o 10 faz o papel de vários verbos, o que nos permite classificá-lo como verbo abstrato ou coletivo. O autor esclarece:

“Nada há, aliás, de excepcional, nada que discrepe do linguajar ordinário, neste modo curioso de se formar verbos abstratos e coletivos. Quando digo, por exemplo, que estou hospedado em determinado hotel, quero realmente dizer que durmo, tomo banho, me visto, almoço e pago a minha conta neste hotel” (HOGBEN, p. 95).

Em seguida o autor faz uma discussão sobre o papel importante da propensão da linguagem numérica de regressar à terra firme das figuras e modelos toda vez que embaraçada por alguma dúvida, na elaboração das regras daquilo que os matemáticos denominam provas, demonstrações ou verificações. Novamente, não pretendo elaborar este assunto.

O autor ainda cita outras maneiras de classificar verbos matemáticos, como os verbos reflexivos em analogia às propriedades comutativas, e deixa algumas para capítulos posteriores.

SINTAXE:
As regras de sintaxe gramaticais dizem respeito às maneiras de se dispor as palavras em sentenças completas. O autor afirma que, no caso da matemática, as regras de sintaxe são muito simples, pois a língua das grandezas exclui as expressões de sentimentos, e portanto todas as sentenças têm a mesma estrutura. Ele admite que as regras fundamentais da sintaxe matemática fixam as maneiras legítimas de se alterar, ou um membro da equação, ou os dois simultaneamente, e dá vários exemplos nesse sentido. Questiono se as equações, no sentido em que o autor fala, abrangem todas as frases da matemática.

AS OUTRAS PARTES DO DISCURSO:
O autor ainda dá mais alguns exemplos de outras partes da gramática das grandezas. Só para citar, um deles é o número negativo -3, que não é apenas um número, mas um número que combina características de um verbo com um substantivo matemático. É, pois, um infinitivo matemático.

ESTILO:
O autor também elabora questões de estilo de escrita em matemática. Um exemplo disso é a analogia entre a redundância na linguagem ordinária e a propriedade distributiva dos números.

Obs: Todos os capítulos do livro trazem vários exercícios e problemas, onde alguns são de natureza prática, tendo o leitor que fazer experimentos físicos para comprovar seus resultados.

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